Culto do Senhor Santo Cristo dos Milagres

Primeira Procissão

No ano de 1700, a ilha de São Miguel foi abalada por fortes e repetidos tremores de terra. Duravam estes há já vários dias, quando a Mesa da Misericórdia e grande parte da nobreza da cidade, verificando que os terramotos não cessavam, resolveram ir à portaria do Mosteiro da Esperança para levarem, em procissão, a imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres.

Ao princípio da tarde desse dia 11 de Abril de 1700, juntaram-se as confrarias e as comunidades religiosas. Concorreu, igualmente, toda a nobreza e inumerável multidão que, com viva fé, confiava se aplacaria a indignação divina com vista da santa imagem.

Caminhava já a procissão, em que todos iam descalços, e logo que a veneranda imagem se deixou ver na portaria, foi tão grande a comoção em todos que a traduziram em lágrimas e suspiros, testemunhos irrefragáveis da contrição dos corações.

Levaram o andor do Santo Cristo as pessoas mais qualificadas em nobreza. Andando a procissão, ia a veneranda imagem entrando em todas as igrejas onde, em concertados coros, Lhe cantavam os salmos “Miserere mei Deus”.

Saindo da Igreja dos Jesuítas, e caminhando para a das religiosas de Santo André, não obstante toda a boa segurança e a cautela com que levavam a santa imagem, com assombro e admiração de todos, caiu esta fora do andor e deu em terra.

Foi esta queda misteriosa, porque não caiu a imagem por algum dos lados do andor, como era natural, senão, pela parte superior do docel.

O povo ficou aflito com sucesso tão estranho. Uns feriram os peitos com as pedras; outros, pondo a boca em terra, que julgavam santificada com o contacto da santa imagem, pediam a Deus misericórdia; estes, tomando os instrumentos de penitência, davam sobre si rijos e desapiedados golpes, regando a terra com o sangue das veias; aqueles, publicavam em alta voz as suas culpas, como causas da indignação do Senhor, e todos, com clamores e enternecidos suspiros, pediam a Deus que se suspendesse as demonstrações da sua justa vingança.

Verificaram, então, que a santa imagem não experimentara com a queda, dano considerável, pois somente se observou, no braço direito, uma contusão.

A imagem foi lavada e limpa no Convento de Santo André e, colocada outra vez, no andor, com a maior segurança, continuou a procissão, na qual as lágrimas e soluços do povo aflito embargavam as preces, até que, bem de noite, se recolheu no Convento da Esperança.

E, a cólera divina se aplacou.

(texto de época)